Novo Ensino Médio terá seis disciplinas com um só período obrigatório
Componente curricular só fará parte da Formação Geral Básica do primeiro ano

Por ZH
16/02/2022 08h56

Divulgada ao apagar das luzes de 2021, a matriz curricular do Novo Ensino Médio no Rio Grande do Sul traz novidades a serem implementadas já em 2022 que têm sido criticadas especialmente por entidades representativas dos profissionais da Educação Física. Para dar espaço à parte do currículo mais flexível, que pode ser definida pelo próprio estudante, a carga horária obrigatória da maioria das disciplinas foi reduzida, mas parte delas foi mais impactada.

Das 15 matérias que compõem a Formação Geral Básica, seis terão um único período obrigatório em todos os três anos do Ensino Médio. A mais afetada é a Educação Física, que teve redução de cinco para um período obrigatório no novo currículo, previsto somente no primeiro ano. Nos outros, dependerá do itinerário formativo escolhido pelo aluno. Apesar de a reforma no Ensino Médio ter sido feita com base em uma lei federal, nem todos os Estados estruturaram seus currículos de forma a haver perdas na carga horária da disciplina.
Além da Educação Física, também serão oferecidas apenas em um dos três anos as disciplinas de Arte, Língua Espanhola, Filosofia, Sociologia e Ensino Religioso. Todas elas contavam com três períodos obrigatórios e passarão a ter um. No caso de Língua Espanhola, a oferta dependerá da vontade do aluno – se ele não quiser aprender o idioma, terá um período extra de Língua Inglesa, que foi o único componente curricular que não teve diminuição de carga horária. No caso de Ensino Religioso, o período ministrado também poderá ser substituído por um período de alguma das disciplinas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (Geografia, História, Filosofia ou Sociologia).
Segundo a secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, o que muda, na verdade, é que a terminologia “Educação Física” deixa de existir no momento em que os itinerários formativos entram em vigor.

— A disciplina em si não deixa de existir. Se você olhar as horas dedicadas dentro dos itinerários, a Educação Física entra no itinerário formativo de Linguagens e Suas Tecnologias, por exemplo, assim como Sociologia entra no itinerário de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas — relata Raquel.

A secretária destaca que um aluno poderá, por exemplo, escolher um itinerário mais ligado a Ciências da Saúde e, ainda assim, optar por ter aulas de Educação Física, uma vez que os itinerários são integrados. Além disso, salienta que atividades de Educação Física estarão disponíveis em disciplinas eletivas e em clubes que poderão ser formados sobre diferentes temas e modalidades dentro da mesma escola.

— Quando os professores entenderem as oportunidades de integração dos itinerários, verão que isso gera possibilidades muito ricas. Essa flexibilidade é muito boa, mas é nova, então é natural que as pessoas se sintam inseguras — avalia a secretária.

Para Raquel, mais importante do que discutir se Educação Física deve ser obrigatória é debater formas de incentivar a prática de atividades físicas como parte da formação geral das pessoas. Ela pondera, ainda, que a criação do formato do Novo Ensino Médio passou por muitas fases de consulta em diferentes instâncias desde 2017.
Entidades se mobilizam
O grupo mais engajado na tentativa de reverter a mudança é o de profissionais da Educação Física. Vinte entidades divulgaram a “Carta Aberta em Defesa da Educação Física no Rio Grande do Sul: um alerta à sociedade gaúcha sobre a Portaria 350”, que se refere ao documento publicado no Diário Oficial pelo governo do Estado que apresenta a nova matriz curricular do Ensino Médio. No texto, os profissionais criticam a redução da carga horária da disciplina em todas as etapas de ensino, em especial o Ensino Médio, “algo inédito no Brasil nessa história de 171 anos”, segundo a carta.
— Neste momento de pandemia, em que os professores de Educação Física foram tão importantes, mandando jogos, coreografias de dança e outras atividades, para evitar que os alunos não se exercitassem, essa portaria vem na contramão. Essa mudança faz com que o adolescente se torne cada vez mais sedentário, que é o que mais mata a população brasileira, já que traz doenças como diabete, cardiopatias e obesidade — cita Luciane Citadin, presidente da Associação dos Profissionais de Educação Física do RS (Apef/RS).
Dados do IBGE da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003 detectaram um aumento considerável na proporção dos adolescentes brasileiros com excesso de peso. Em 1974-75, estavam acima do peso 3,9% dos garotos e 7,5% das garotas entre 10 e 19 anos. Na pesquisa de 2002-03, os percentuais encontrados foram 18% e 15,4%, respectivamente. Essas informações são citadas na carta aberta dos profissionais.

Para Luciane, a prática de atividades físicas na escola é fundamental, pois desenvolve um hábito que, quando o jovem ingressa no mercado de trabalho, depende de um esforço maior para ser mantido. A educadora física também ressalta o medo que muitos têm de fazer exercícios na rua, o que torna o espaço controlado e seguro da escola para estes fins ainda mais importante àqueles que não têm dinheiro para pagar clubes e academias.

A mobilização das entidades rendeu a abertura da Frente Parlamentar em Defesa da Educação Física Escolar na Assembleia Legislativa, protocolada pela deputada estadual Juliana Brizola (PDT) e prevista para ter suas atividades iniciadas nesta sexta-feira (11). Também há pedidos de que a Casa realize uma audiência pública sobre o tema. O objetivo dos educadores físicos é que esses espaços permitam um debate que culmine em uma nova proposta de portaria, a ser entregue à Secretaria Estadual de Educação (Seduc).
Projeto de lei
Delegado estadual da Federação Internacional de Educação Física e Esportiva (Fiep), Everton Deiques tem visitado municípios gaúchos desde o ano passado e, desde o início de 2022, está aproveitando para falar também sobre a elaboração de um projeto de lei que propõe a oferta de Educação Física três vezes por semana. Uma das justificativas para essa frequência é a indicação, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de realização de atividades físicas por no mínimo 150 minutos por semana, a fim de combater o sedentarismo e garantir o bem-estar físico e mental.

— A partir de três vezes por semana, se começa a ter benefícios físicos e mentais, em termos de saúde, prevenção, segurança. Hoje, as crianças estão muito afastadas do esporte, e só conseguiremos mudar essa realidade na escola. Ensinar Educação Física é ensinar valores da vida como a educação, o respeito, a coragem, a hierarquia, a superação do medo, do adversário — analisa Deiques.

A ideia é concluir o texto do projeto de lei ainda nesta semana, segundo o delegado da Fiep.

Professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o educador físico Rodrigo Flores Sartori considera que a redução da carga horária aponta para um desconhecimento por parte dos gestores públicos do papel do movimento humano não só na saúde, mas também no desenvolvimento social e cognitivo durante a infância e a adolescência.

— O papel da educação escolar não é formar atletas e nem esportistas, mas sim criar o engajamento e a motivação para um estilo de vida ativo. O papel do professor é criar um ambiente de boas relações sociais, com atividades que sejam significativas para todos os tipos de crianças e adolescentes. É com essa característica que uma aula de educação física, em qualquer idade, pode levar a pessoa às práticas de exercício físico e esportes fora dos muros escolares — explica Sartori.

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